25.5.15

Meditação e Mindfulness são a nova "cura para todos os males"?

Recentemente, meu colega Dr. Miguel Farias, professor em Oxford e Coventry, na Inglaterra, publicou um livro – The Buddha Pill – alertando sobre os perigos que envolvem o crescente “entusiasmo” com as práticas de meditação. No texto abaixo, sua colega de escrita – Catherine Wikholm – parece resumir um pouco do que é apresentado no livro. Ainda não tive a oportunidade de ler, mas acredito que o texto representa – resumidademente – as idéias centrais do livro. Há muito de bom e algo de ruim no texto, como tentarei demonstrar, ao final. Inicialmente, apresentarei o texto na íntegra e, então, meus comentários sobre algumas idéias apresentadas. Abaixo, segue o texto que pode ser lido em sua versão original, em inglês, neste link. Eu mesmo fiz a tradução, em um "tiro só", sem revisão, de modo que podem existir pequenos erros. Nada que comprometa o conteúdo do texto.  



Texto original de Catherine Wikholm:


" A meditação está se tornando algo cada vez mais popular, e nos últimos anos surgiram muitos apelos para que Mindfulness (uma prática meditativa com raízes budistas) seja mais amplamente disponível no NHS (sistema de saúde pública da Inglaterra). Promovido muitas vezes como uma estratégia infalível de redução do estresse, Mindfulness está sendo oferecido também em escolas, universidades e empresas.

Para a mente secularizada (não-religiosa), a meditação preenche um vácuo espiritual; traz uma esperança para o indivíduo em se tornar alguém melhor e mais feliz em um mundo mais pacífico. No entanto, o fato de que a meditação NÃO foi primariamente concebida para fazer-nos mais felizes, e sim para destruir nosso senso de self individual (o que sentimos e pensamos ser a maior parte do tempo) é muitas vezes esquecido nas ciências e na mídia. Tanto a ciência quanto a mídia incidem quase que exclusivamente sobre os benefícios que as pessoas esperam conseguir com a prática.

Se você pensa assim, abaixo listarei sete crenças comuns sobre meditação que NÃO recebem o suporte de evidências científicas.

Mito 1: Meditar não tem efeitos adversos ou negativos. Vai mudar você para melhor (e apenas melhor).

Fato 1: é fácil entender por que esse mito surge. Afinal, sentar em silêncio, focando na respiração, parece ser uma atividade bastante inócua, com pouco potencial de dano. Mas quando você considera que muitos de nós, quando preocupados ou enfrentando circunstâncias difíceis, lidamos com isto nos mantendo ocupados e com pouco tempo para pensar, não é surpresa descobrir que sentar-se sem distrações, apenas com nós mesmos, pode trazer à superfície emoções perturbadoras.

No entanto, muitos cientistas têm feito vista grossa para as potenciais consequências inesperadas ou nocivas da meditação. Com a Meditação Transcendental isto ocorre, provavelmente porque muitos daqueles que têm pesquisado também estão pessoalmente envolvidos com o movimento; com Mindfulness, as razões são menos claras, já que é apresentada como uma técnica secular.

Mito 2: A meditação pode beneficiar a todos

Fato 2 : A idéia de que a meditação é uma panacéia carece de base científica. "A carne de um homem é o veneno de outro" – assim o psicólogo Arnold Lazarus lembrou em seus escritos sobre meditação. Quer dizer que embora alguns poucos estudos demonstrando como circunstâncias individuais (idade, sexo ou tipo de personalidade) afetam a meditação, há certo consenso de que a meditação funciona de forma diferente para cada indivíduo.

Por exemplo, a meditação pode ser uma técnica de alívio do stress eficaz para indivíduos que enfrentam problemas graves (como estar desempregado) mas têm pouco valor para indivíduos que não estão estressados. A meditação pode beneficiar indivíduos deprimidos que sofreram trauma e abuso na infância, mas não outras pessoas deprimidas. Há também algumas evidências de que - junto com yoga - pode ser de uso particular a indivíduos encarcerados, melhorando o bem-estar psicológico e, talvez mais importante, incentivando o controle sobre a impulsividade. Não devemos ficar surpresos em saber que os benefícios da meditação variam ​​de pessoa para pessoa, afinal, a prática não se destina a trazer felicidade ou menos estresse, mas sim a ajudar no mergulho profundo que devemos dar para dentro de nós, desafiando aquilo que acreditamos ser.

Mito 3: Se todos meditassem o mundo seria um lugar melhor

Todas as religiões compartilham a crença de que se seguirmos suas práticas e ideais nos tornaremos pessoas melhores. Até agora não há nenhuma evidência científica clara de que a meditação é mais eficaz em fazer-nos, por exemplo, mais compassivos do que outras práticas espirituais ou psicológicas. A investigação sobre este tema tem sérios vieses e limitações, tanto metodológicos quanto teóricos. A maioria dos estudos não têm grupos controle adequados e geralmente não conseguem avaliar as expectativas dos participantes (ou seja, se esperamos nos beneficiar de alguma coisa, podemos estar mais propensos a relatar benefícios).

Mito 4: Se você está buscando mudanças e crescimento pessoal, meditação é melhor – ou tão eficiente quanto – terapia.

Existem evidências escassas de que participar de um programa de Mindfulness com duração de 8 semanas tem os mesmos benefícios que estar em terapia psicológica convencional. A maioria dos estudos compara os grupos de mindfulness como "tratamento como usual" (como ir até o seu médico), em vez de terapia individual. 

Embora as intervenções de mindfulness ocorram em grupo e sessões de terapia sejam conduzidas em uma base um-a-um, ambas abordagens envolvem o desenvolvimento de uma consciência maior de nossos pensamentos, emoções e maneiras com que nos relacionamos com os outros. Mas os acessos a consciência provavelmente diferem em cada abordagem. Um terapeuta pode encorajar-nos a examinar os padrões conscientes ou inconscientes dentro de nós, ao passo que o acesso a estes pode ser difícil em um modelo “one-size-fits-all” em grupo (Mindfulness), ou se estivéssemos meditando sozinhos. 

Mito 5: A meditação produz um padrão de consciência único que podemos medir cientificamente

Fato 5: A meditação produz estados de consciência que podemos medir usando diferentes instrumentos científicos. No entanto, a evidência geral é que esses estados não são fisiologicamente únicos. Além disso, embora diferentes tipos de meditação possam ter efeitos diversos sobre a consciência (e sobre o cérebro), não há consenso científico sobre o que são – de fato – esses efeitos.

Mito 6: Podemos praticar meditação como uma técnica puramente científica, sem inclinações religiosas ou espirituais

Fato 6: A princípio é perfeitamente possível meditar e ser desinteressado pelo background espiritual. No entanto, a pesquisa mostra que a meditação nos torna “mais espirituais”, e que este aumento na espiritualidade é parcialmente responsável pelos efeitos positivos da prática. Assim, mesmo se nos propusemos a ignorar as raízes espirituais, essas raízes podem nos afetar, em maior ou menor grau. No geral não está claro se os modelos seculares de meditação mindfulness são totalmente seculares.

Mito 7: A ciência tem demonstrado de forma inequívoca “como e por que” a meditação pode nos mudar

Fato 7: Estudos de meta-análise demonstram evidências moderadas de que a meditação nos afeta de maneiras diversas, tais como aumentando nossas emoções positivas e reduzindo a ansiedade. No entanto, é menos claro o quão poderoso e duradouras são essas mudanças.

Alguns estudos mostram que a meditação pode ter um impacto maior do que o relaxamento, embora outras pesquisas utilizando meditação placebo contradizem esta conclusão. Precisamos de melhores estudos, mas, talvez tão importante quanto, precisamos de modelos que expliquem como funciona a meditação. Por exemplo, com a Terapia Cognitiva Baseada em Mindfulness (MBCT), ainda não temos certeza do ingrediente "ativo" do procedimento. É a própria meditação que provoca os efeitos positivos, ou é o fato de que o participante aprende a dar um passo para trás e se tornar consciente de seus pensamentos e sentimentos em um ambiente de grupo de apoio?

Não há simplesmente nenhuma tentativa coesa que descreva os vários processos psicobiológicos que a meditação põe em movimento no organismo. A menos que possamos mapear claramente os efeitos da meditação - tanto positivos quanto negativos - e identificar os processos que sustentam a prática, nossa compreensão científica é precária e pode facilmente levar a exageros e erros de interpretação."


COMENTÁRIOS MEUS SOBRE O TEXTO



Há algo de fundamental neste texto e, certamente, no livro. É simples. Estão apresentando (ou reapresentando? Lembro das décadas hippies?) as meditações como “curas para todos os males”. Isso inclui a prática que desenvolvo, profissional e academicamente – Mindfulness. É necessário que a alguém grite bem alto que isto é uma mentira. Da perspectiva científica, a qual pertenço, Mindfulness é uma prática com efeitos limitados. No entanto, tanto a mídia quanto profissionais inescrupulosos estão se aproveitando de informações parciais para ganhar dinheiro e notoriedade. Isto já está acontecendo no Brasil. 

Profissionais das mais diversas áreas, algumas sem o menor treinamento em Psicologia, Religião ou Neurociência estão a conduzir “sessões” de Mindfulness com quinze ou vinte pessoas. Como apontado no MITO 2 do texto acima, a prática de Mindfulness convida os participantes a investigarem seus pensamentos, sensações corporais e emoções; sim, EMOÇÕES. Isso significa que muitas dessas pessoas descobrem conteúdos emocionais difíceis, demandando a presença e as habilidades de um profissional de saúde mental. Mas, se administradores de empresa, advogados, empresários estão fazendo treinamento em cursos de formação de professores de Mindfulness, o que esperar??? Complicado.

O MITO 1 demonstra que as práticas de meditação podem ter efeitos colaterais, o que é verdade. Por isso é tão importante alguém com um bom background em saúde mental presente. Eu diria mais: professores de Mindfulness ensinando alunos sentados no chão, meditando como “monges” – isso é um problema. Sentar-se no chão exige do corpo muito mais do que sentar-se em cadeiras. A pressão sobre os joelhos, coluna e demais articulações é mais contundente. Some-se a isto o fato de que, no dia-a-dia, quem se senta ao chão? Convenhamos, isso é “purpurina”. Sentem-se em cadeiras. Enfim, meditação, incluindo Mindfulness, podem fazer mal – fisicamente e mentalmente. Fiquem atentos ao escolherem seus professores. Quem realmente está habilitado no Brasil a ensinar? Quem tem mais de um ano contínuo de treinamento? Quem são os profissionais que estão ensinando tendo cursado apenas workshops de final de semana? Fique atento.

A idéia por trás do MITO 3 é interessante. Há uma crença (folk psychology) que diz que pessoas que meditam são mais “pacíficas e bondosas”. Tem gente que acha até que física quântica explica isso (???). Você até pode achar isso, mas não há estudos científicos contundentes que demonstrem isso. Além disso, Mindfulness não é algo que você faz para ficar mais “pacífico” e “amoroso”. Mindfulness é descobrir como você está, aqui e agora; quais são os padrões e hábitos que se desenvolveram ao longo do tempo e contribuíram para você ser o que é, hoje? Ser mais paciente consigo é condição para observar estas respostas em você mesmo, mas não necessariamente tem o objetivo de te transformar em uma pessoa que “irradia luz na face”. Mindfulness é observar o que se apresenta; ganhar perspectiva. Entendo que, de um ponto-de-vista leigo, as pessoas acreditem que – necessariamente – meditar é tornar-se “uma pessoa boa”. Nops. Não é bem por aí. Isso explica porque as pessoas ficam mindfucked quando se deparam com coisas do tipo crazy wisdom, no Budismo. Elas se perguntam: “como assim atingiu a iluminação levando um tapa na cara?”. Há um conhecimento muito superficial acerca dos objetivos da meditação.

Sobre o MITO 4 posso dizer que nunca ouvi falar em comparação entre Mindfulness e Terapia. Sempre me pareceram coisas bem diferentes, ou complementares, como nos modelos de terapia da ACT e do DBT. Nunca vi um autor de Mindfulness sugerindo as pessoas a abandonarem terapia em favor de Mindfulness. 

Novamente, no MITO 5 temos aqueles jargões que – infelizmente – já escutei da boca de professores de meditação. Seria pretensão demais acreditar que as práticas produzem padrões ÚNICOS. É bullshit mais o povo repete por aí mesmo. Dá uma certa “credibilidade”, do tipo: “viu? É algo especial a meditação!”.

Tenho minhas dúvidas com o MITO 6. Veja bem, o Kabat-Zinn fala “mindfulness meditation”; o Prof. Williams, de Oxford, também. Ocorre que parece haver uma ignorância básica na descrição deste mito. Infelizmente esta ignorância é geral – os estudos de Elen Langer. A prof. Langer demonstrou que há um mindfulness por si só – sem budismo ou meditação. O problema é que o pessoal que “consome” Mindfulness não sabe nada da Langer. Tipo: viram a entrevista do Kabat-Zinn na Oprah. E só. Tenho um grande cuidado com isso. Por isso não ensino mais Mindfulness no chão. No começo eu ensinava. Não estava atento aos problemas implicados nisso. Não uso mais “sininho” de meditação também; nem manta colorida, nem nada. Leiam os estudos preliminares que conduziram à elaboração do MBCT e os trabalhos de Langer e me digam aonde está o Budismo por ali. Temos modelos mentais advindos das ciências cognitivas, e nada sobre Buda, Darma ou Sanga. Então, esse MITO 6 é meio furado. Há certa razão, mas não se comtempla o outro lado. 

Acho que o MITO 7 está um pouco outdated, apesar de não ser totalmente mentiroso. No entanto, não acho correta a afirmação. No, no. no. Da forma como está colocado é um argumento válido para qualquer coisa (e automaticamente para nenhuma); tipo: “não sabemos ainda exatamente como surge o câncer; não sabemos exatamente como a vida começou na terra; etc”. É claro que não sabemos todos os mecanismos envolvidos na meditação!!! Isso não faz dela algo inútil ou sem comprovação. Mas, dê uma olhada no modelo desenvolvido por David Vago, da Universidade de Harvard, e espante-se com o nível de detalhamento. Hey, Miguel, veja isso.


Por fim, acho que é possível que o Dr. Farias e a Dra. Wilkholm tenham batido com força demais. Mas, talvez a lógica seja “já que batemos, vamos bater com força”. Penso que há – certamente – muito exagero e entusiasmo com as práticas de meditação, especialmente Mindfulness. Isso deve ser combatido. Por outro lado, acho que o campo de Mindfulness, cientificamente, está amadurecendo bastante, na mesma medida está sendo degenerescido pela mídia. A mídia quer barulho, ruído, e aí você já sabe. A coisa será apresentada de modo caótico e equivocado. Dia desses uma jornalista de uma importante revista de circulação nacional ligou para me entrevistar por telefone. Eu passei quarenta minutos falando mal de Mindfulness. Ela não entendeu nada. Eu sim.

Pratique Mindfulness.

Tiago Tatton 



















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