28.4.17

Mindfulness está "comprovado cientificamente"?

Anos atrás eu alertei sobre o Mindfulness Tapioca, a versão tupiniquim do McMindfulness. Acho que ninguém deu muita bola, na época

Mas, como eu previa, o Mindfulness Tapioca segue em pleno curso de consolidação no país. AVANÇA, Doravante. Para o bem ou para o mal - só o tempo dirá. Há - obviamente - muita coisa boa em andamento, já que as universidades estão oferecendo cada vez mais serviços de mindfulness gratuitos para a população.

Aqui no meu pósdoc, na UFRGS, por exemplo, já estamos oferecendo mindfulness gratuitamente para população com Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG). Vejo essas ações gratuitas e de saúde pública com bons olhos, especialmente se estão alinhadas com comitês de éticas das Universidades.

Contudo, muitos "cavaleiros Jedis" do Mindfulness estão a sucumbir para o lado tapioca da Força. Dia desses, um importante professor de Mindfulness denunciou publicamente a situação do problema ético da inserção de Mindfulness nas empresas. Ele chegou a postar em sua timeline o problema, inclusive, dando "nome aos bois". Não entro no mérito dele estar certo ou errado, mas o problema está aí. Há tempos, periódicos e blogs especializados do exterior alertam para o lado "money-making industry" do Mindfulness.


 Junto, temos a noção de Mindfulness vendido como a "cure-for-all" ou panacéia. Os veículos de comunicação muitas vezes reforçam esse lado tapioca da força do Mindfulness. Capas de revista e programas de TV mostrando "casos de sucesso" e "cura" do Mindfulness para obesidade, depressão, ansiedade, estresse e até Câncer, HIV e outras tantas condições. 

Bem, o Mindfulness (chamado por aqui de Meditação da Atenção Plena), essa panacéia (?), está lá entre as "práticas meditativas". E são muitas as pesquisas "COMPROVANDO CIENTIFICAMENTE" o benefício do Mindfulness. Não é mesmo? São milhares de comprovações! Opssss!

Bem, são muitas pesquisas - SIM - e elas trazem - SIM - a informação de que podemos conquistar benefícios com a prática de Mindfulness. E é verdade. Podemos ter benefícios. Mas, COMPROVADO CIENTIFICAMENTE? Sejamos cautelosos.

O problema do "comprovado cientificamente"

Quando alguém fala que algo está "cientificamente comprovado" a idéia é usar algum tipo de argumento de autoridade - neste caso - o "fazer científico", a Ciência como sinônimo de VERDADE. Um lugar onde os achados científicos são soberanos frente ao conhecimento do senso-comum.

Acontece que a Ciência não lida com Verdades, ao menos com Verdades imutáveis. Quem se dedica ao estudo de Verdades é a Filosofia, ou alguns ramos da Religião. A Ciência trata de busca de evidências. Quando falamos de evidências não falamos de Verdade. Por exemplo, há evidências concretas de que é a Terra que gira em torno do sol, e não o contrário. Há evidências, também, de que isto continuará assim por muito tempo. Porém, não sabemos o dia de amanhã e se algum dia virá a ser diferente. Não sabemos tudo e não podemos controlar todas as variáveis. Podemos predizer com segurança - maior ou menor - sobre algumas coisas. Por exemplo, de que amanhã a Terra continuará girando ao redor do Sol.

Para algumas questões, a Ciência acumulou um nível óptimo de evidências a tal ponto que podemos confiar de maneira mais contundente em seus achados. Ainda assim, a regra é básica: as coisas podem mudar e devemos seguir contestando achados e acumulando evidências.

Temos evidências que a criação do universo tem relação com o que chamamos de: Big-Bang mas não temos tantas evidências acerca de Adão e Eva. Mesmo assim, não temos certeza ABSOLUTA que o mundo começou com o Big-Bang. Temos uma MASSA ENORME de EVIDÊNCIAS a favor do modelo teórico do Big-Bang, mas ainda assim há teorias concorrentes sobre a origem do universo que seguem sendo exploradas. Pode ser que - um dia - encontremos uma explicação mais elegante e coerente da origem do universo que não seja o Big-Bang. Mas, por enquanto, o Big-Bang é o melhor modelo explicativo sobre a origem do universo.

Quando alguém fala que a origem do universo está CIENTIFICAMENTE COMPROVADA através do Big-Bang, geralmente está querendo dizer que a "missão está cumprida", que não devemos pesquisar mais nada sobre a origem do universo. Está querendo dizer que a Ciência - mãe de toda a Verdade - já concluiu sua tarefa de desvendar a origem do universo, e que ninguém mais deve emitir uma opinião sobre isso.

O problema, como tentei apontar, é que isto não é Ciência. A Ciência, pelo contrário, é uma arte de seguir desvendando problemas. Alguns problemas estão melhor desvendados, outros não. Alguns problemas são melhor desvendáveis, se adequam melhor às ferramentas da ciência - outros não. Grandes questões existenciais, por exemplo, são difíceis de exploração através do método científico. "Qual o sentido da vida?" ou "Há vida após a morte?" são questões difíceis de exploração científica. Questões onde o método científico deve estar presente mas que dificilmente esgotará algum tipo de VERDADE sobre isso. Poderá e deverá - certamente - pesquisar o tema, mas dificilmente COMPROVARÁ CIENTIFICAMENTE o sentido da vida ou a vida após a morte. Ainda assim, bons cientistas continuam pesquisando assuntos como estes. Sempre de modo limitado, parcial. Mas assim é a BOA CIÊNCIA. Limitada, humilde, parcial.

Achamos evidências e avançamos (ou não) aqui-e-acolá. Alguns campos do conhecimento avançam um pouco mais, pois são mais sensíveis ao método científico - outros avançam menos ou muito pouco.

VOLTANDO AO MINDFULNESS 

Dito isto, podemos voltar o Mindfulness. As pesquisas sobre Mindfulness estão a completar 40 anos de investigação, no entanto, o avanço dos achados não têm consubstanciado tanto a sua eficácia (ou tem mostrado que sua eficácia não se deve - exatamente - ao que pensamos).

A mídia, e muitos colegas, seguem a encher suas timelines e posts em todas as mídias sobre pesquisas que COMPROVAM a eficácia do Mindfulness para um número espantoso de condições, desde HIV e Câncer até uma básica e efetiva redução do estresse.

É verdade que há muitas e muitas (mais de milhares) de pesquisas sobre Mindfulness apontando estes resultados. É VERDADE. Oras, se é verdade, Tiago, então porque você está tentando nos alertar?

A PESQUISA É DE BAIXA QUALIDADE

Os estudos sobre Mindfulness mais alardeados são de dois tipos: 1 - Ensaios Clínicos Randomizados; 2 - Estudos de Neuroimagem. Em ambos há limitações. Vou me deter no primeiro, mas o segundo ponto merece cautela, também. 

Para desenharmos um Ensaio Clínico Randomizado de grande qualidade precisamos seguir uma SÉRIE de recomendações prescritas por manuais e órgãos de pesquisa internacionais. Não vou entrar no mérito de todas, mas vou citar algumas: tamanho amostral, métodos de randozimação adequados, cegamento, grupos de controle, controle de vieses, etc.

As pesquisas sobre Mindfulness, apesar dos 40 anos de maturidade, ainda falham copiosamente em muitos destes quesitos. Para você terem um idéia, uma revisão de 2013, mostrou que de quase 19.000 artigos sobre mindfulness, apenas 47 (3%) utilizavam grupos de controle adequados. Isto quer dizer que os "avanços" da pesquisa sobre mindfulness que são alardeados pela mídia são - quase exclusivamente - alcançados porque as comparações são feitas com "listas-de-espera". Isto faz com que os resultados sejam superestimados. Vocês leram com atenção ali? APENAS 47 de 19.000 artigos.



COMPARADOS COM BONS GRUPOS CONTROLE, MINDFULNESS RARAMENTE É SUPERIOR

Quando os pesquisadores comparam Mindfulness com uma condição-controle adequada (como o HEP desenvolvido pelo grupo do professor Richard Davidson), o que acontece? O MINDFULNESS perde quase todo o seu poder. Em outras situações onde há grupo-controle ativo, este grupo não é construído adequadamente pareado, de modo que as comparações seguem injustas. Muitas pesquisas comparam uma intervenção de mindfulness com duração de 8 semanas com intervenções completamente diferentes e inócuas. É óbvio que o grupo mindfulness vai se sair melhor!

Recentemente, uma pesquisa conseguiu criar uma condição SHAM (enganosa) de Mindfulness para comparar com um grupo real de Mindfulness. Apesar do grupo real de mindfulness ter melhorado mais que a enganosa em alguns quesitos, para tantas outras o grupo enganoso até MELHOROU MAIS.

MINDFULNESS É BOM, MAS PODE NÃO SER MELHOR DO QUE VOCÊ SE MATRICULAR EM UMA AULA DE DANÇA OU PINTURA

Um estudo interessante comparou um grupo de Mindfulness com aulas de Tango (isso, Tango(No resumo do artigo é apresentado que os níveis de redução da depressão no Tango tiveram maior significância estatística e tamanho de efeito similar ao alcançado pelo grupo mindfulness, quando comparados a uma lista de espera).
Argentino!!!!!) e o que aconteceu??? OS DOIS GRUPOS MELHORARAM! E até de forma muito parecida

A grande questão é se os "ingredientes ativos" do Mindfulness realmente são os promotores de melhora prometidos. Acontece que, quando comparado ao HEP (controle padrão) ou mesmo ao Mindfulness de Mentira (SHAM) estes mesmos programas também promovem aumento nos escores de Mindfulness e diminuição em variáveis que apenas o Mindfulness real deveria promover.

MENSAGEM FINAL! Funciona.

É claro que Mindfulness faz bem (se ensinado corretamente). Mindfulness também pode ter efeitos colaterais e danosos (também falam pouco disso!). Há mindfulness sendo ensinado em instituições dúbias e professores com formações dúbias. Isso pode ser um grave problema. Mas, enfim, voltemos à questão da pesquisa e eficácia. 

Se você oferece algo para alguém, como aulas de dança, pintura, escrita criativa, etc. Se você coloca as pessoas em grupo para debaterem, respirarem em conjunto, falarem de suas dificuldades. Se vocês pede para elas fazerem dinâmicas de grupo, etc. SE VOCÊ OFERECE isso tudo é bastante óbvio que você está oferecendo algo BOM para as pessoas. Que seja um oportunidade de saírem de casa, se conectarem com outras pessoas e praticarem algo saudável - como os exercícios de Mindfulness.

A questão não é se Mindfulness faz bem. FAZ SIM. A questão é se Mindfulness é - DE FATO - melhor do que qualquer outra coisa incluindo conexão em grupo, debates, exercícios,  que você ofereça para as pessoas ao longo de 8 semanas, 1 vez pode semana. Mais do que isso, se realmente o que promove a melhora são os "ingredientes ativos" (e supostamente únicos) do Mindfulness.

Um revisão recente sobre o programa de Oxford, o MBCT, concluiu que:

"Temos indícios de que embora o MBCT seja eficaz, pode não ser superior aos grupos de controle (ACCs) estruturalmente equivalentes. Seis estudos que compararam o MBCT com grupos controles ativos cuidadosamente concebidos demonstraram resultados mistos para diferenças significativas entre os grupos de tratamento no que tange recaída e sintomas de depressão.

Estudos que incluíram recidiva depressiva como uma variável de desfecho primário têm ,tipicamente, indicado nenhuma diferença entre MBCT e os grupos controles ativos"

Falta um bocado para o Mindfulness estar "cientificamente comprovado". Aliás, ele está cada vez MENOS cientificamente comprovado, se o que queremos dizer com isso é ROBUSTEZ científica. A teoria do Big-Bang apresenta grande robustez - ainda - quando colocada à prova contra a Teoria das Cordas, por exemplo. O Mindfulness está longe de apresentar esta mesma robustez, mesmo quando comparado com aulas de Tango.

Mindfulness não faz bem? Claro que FAZ! Por favor! Mas pode não ser isso tudo que nós - e mídia - pensamos! Segue sendo uma linda ferramenta de promoção de bem-estar.

Próximo semestre começam novos grupos meus e de meus colegas professores de Mindfulness aqui em Porto Alegre, mas também começam aulas de dança, de pintura, de ginástica, grupos de meditação, yoga, pilates, etc. Não siga o que a mídia diz. Não se deixe ser enganado(a). Descubra para onde o seu coração aponta. Descubra como você pode cuidar melhor de si, seja com mindfulness seja com aulas de culinária ou reuniões para debater poesia. Lembrando sempre que - se a vibe é meditação e se você procurar bem - pode achar grupos sérios que se reúnem há tempos, com professores muito experientes. Aqui em POA tem o ViaZEN, a Monja Isshin, o pessoal do Lama Santem, etc. Só não caiam em ciladas! CUIDEM-SE!

Então, meus amigos que trabalham com mindfulness e com a mídia, por favor, sejam responsáveis. A informação está dada. A ética é de cada um. Que essa informação possa correr os quatro cantos e que o benefício do mindfulness se estenda a todos, de modo responsável e sincero.



Que todos os seres possam encontrar paz, tranquilidade e ferramentas de amor para lidar com o sofrimento.

Um abraço

Tiago Tatton

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